terça-feira, 2 de junho de 2015

Estado passional pode se voltar contra apologistas da redução da maioridade


Josias de Souza




As sociedades ditas modernas convivem com a ilusão, herdada do racionalismo do século 18, de que o Estado é uma instância neutra de gerenciamento do contrato social, cuja principal tarefa é zelar para que as leis da razão prevaleçam sobre os sentidos. O projeto que reduz a maioridade de 18 para 16 anos é apenas mais uma evidência de que o Estado que nos dirige por força de lei está sujeito às paixões mais rasteiras.

Os brasileiros que ainda conseguem manter a sanidade em meio ao caos resistem à tendência de reagir à insegurança na base do mata-e-esfola. Mas muitos poderão ceder aos seus instintos mais rasteiros se perceberem que o Estado trocou a racionalidade impessoal pela ideologia da vingança bíblica, como preconizam Eduardo Cunha, o morubixaba da Câmara, e seus seguidores.

“Se você acha que não pode ser responsabilizado aos 16 anos também não pode votar. Não discuto mérito, mas isonomia de direitos e obrigações”, disse Cunha. Segundo ele, o projeto de redução da maioridade está “maduro” para ser aprovada. “Se depois de 22 anos não estiver maduro, vai ter que esperar 100 anos”, ironizou, para deleite dos mais de 80% de brasileiros que apoiam a proposta.

Enjaulados os delinquentes juvenis, a turba exigirá mais. Pode-se inclusive aproveitar a lógica esgrimida por Cunha para desenvolver o seguinte raciocínio: se você usa um mandato eletivo para burlar a lei não pode continuar perambulando impune pelo Congresso, o templo das leis. Se perguntarem aos brasileiros numa pesquisa o que acham de impor a pena de morte aos políticos corruptos, a maioria talvez considere que a ideia está caindo de madura.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que os menores infratores podem ser recolhidos por até três anos —separados por idade, tipo físico e gravidade do crime. Algo que o Estado, aviltado pela roubalheira e má gestão, não consegue concretizar.

Parece claro que há alternativas à redução da maioridade penal. Primeiro, é preciso tirar o ECA do papel. Segundo, pode-se endurecer a pena para os crimes mais graves —em vez de três anos, seis, oito, dez quem sabe. De resto, deve-se eliminar o refresco da concessão da ficha limpa ao delinquente que faz aniversário de 18 anos.

Se preferirem institucionalizar a selvageria, os parlamentares devem se preparar para o efeito bumerangue. Ficará entendido que foram liberadas as soluções extremas. Corre-se o risco de a multidão exigir mais sangue. Que ninguém reclame se começarem a amarrar nos postes deputados e senadores que roubam dinheiro público.

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