domingo, 12 de março de 2023

O Recife que vivi. E sofri

Do Blog de Magno Martins.

Recife tem encantos mil, diz uma canção de Reginaldo Rossi. Jornalista, poeta e compositor, Antônio Maria também foi paixão ardente pelo Recife, mas viveu a plenitude profissional e artística no Rio, onde cantou a saudade do Recife. Aos cariocas, dizia que era do Recife com orgulho e com saudade.

Na canção Frevo número 1, na qual revela sua vontade de chorar de saudade, diz: mas que adianta se Recife está longe, e a saudade é tão grande, que até me embaraço.

Eu também tenho saudade do Recife, aniversariante do dia, junto com sua cidade irmã Olinda. Saudade é a lembrança de se haver gozado em tempos passados que não voltam mais.

Foi no Recife, tangido pela seca, que aportei de mala e cuia. Fui xepeiro na Casa do Estudante, morei em pensões e repúblicas. República é um casarão de culturas universais: gente pobre, sem parentes no Recife, vinda de todos os rincōes do Sertão, do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Maranhão.

Fui aceito numa república de cearenses: Roberto e Lobo, os manda-chuvas, eram graúdos funcionários do Banco do Brasil. Eu, coitado, sobrevivente de uma pensão mensal do meu pai, que só dava para pagar a taxa de moradia.

Vivi praticamente de arrego na comida da república. Lobo e Roberto eram benevolentes. Hoje, de vez em quando, tenho notícias deles. Continuam prósperos, formaram filhos em Medicina. Que orgulho!

É possível ter saudade de um tempo tão sofrido? Sim. Mário Quintana disse que saudade é o que faz as coisas pararem no tempo. Tive um tempo de sofrimento no Recife. Tempo que saia da faculdade para casa a pé, porque não tinha dinheiro para passagem. Tempo que escolhia entre o almoço e o jantar, porque não tinha grana para as duas refeições. Matava a fome num bandeijão da Federal que havia nas proximidades da Conde da Boa Vista.

Mas, como Antônio Maria, eu tenho saudade dos tempos bons que vivi também no Recife. Do bar Savoy, na Avenida Guararapes, reduto da boêmia e de jornalistas. Nas mesas do Bar Savoy, o refrão tem sido assim:
São trinta copos de chopp, são trinta homens sentados, trezentos desejos presos, trinta mil sonhos frustrados”, poetizou Carlos Pena Filho.

Saudade do Mustang, na Conde da Boa Vista, o melhor chop da cidade, o melhor lugar para paquerar, point de todas as tribos. Saudade da Cantina Star, o melhor filé mignon da cidade, frequentado por jornalistas, escritores, intelectuais, políticos e artistas. Funcionava até o último cliente.

Podia ter vivido mais o Recife, mas saí cedo em busca de um eldorado. E encontrei: Brasília. Cheguei por lá na efervescência das Diretas Já. Trabalhei nos jornais locais, Correio Braziliense e Jornal de Brasília, num tempo de muita saudade também. Há quem não goste da capital federal.

Mas tenho por Brasília o mesmo sentimento pelo Recife. E quando estou em Brasília, sinto saudade do Recife. No Recife, sinto saudade de Brasília. Para mim, são cidades entrelaçadas e irmãs, como Recife e Olinda. Recife completa hoje 486 anos de fundação, Olinda 488 anos. É bom olhar a cidade com o olhar dos seus poetas.

João Cabral de Melo Neto, que batizou o Rio Capibaribe de Cão sem plumas, via Recife como uma montanha regular redonda de azul, mais alta que seus arrecifes.

Carlos Pena Filho dizia que Olinda é só para os olhos. Não se apalpa, é só desejo. Ninguém diz: é lá que eu moro. Diz somente: é lá que eu vejo.

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