sábado, 12 de maio de 2012

JOSÉ PAULO CAVALCANTI

Entrevista >> José Paulo Cavalcanti

Júlia Schiaffarino



José Paulo Cavalcanti foi escolhido para integrar a Comissão da Verdade. Imagem: BERNARDO DANTAS/DP/D.A PRESS


"Ninguém vai questionar a Lei da Anistia"

O convite foi feito pessoalmente pela presidente Dilma Rousseff. Em uma sala do Palácio do Planalto, ela perguntou ao jurista pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho se ele gostaria de integrar a Comissão da Verdade. A resposta ouvida foi um não. “Fiquei surpreso e, no primeiro momento, não aceitei. Achava que tinha gente mais preparada do que eu”, comentou. O convite foi refeito e “a clareza e objetividade” da presidente o fizeram reconsiderar.

Ontem, Cavalcanti foi oficialmente nomeado integrante do grupo cujo desafio é apurar denúncias de violações dos direitos humanos entre 1946 e 1988, período que inclui o regime militar. Na quarta-feira ele toma posse e participa da primeira reunião da comissão. Também na próxima semana, Cavalcanti deve receber a ligação do deputado estadual Waldemar Borges (PSB). “Vamos procurá-lo para ver como estreitar a relação entre as comissões nacional e estadual”.

Enquanto isso, a Assembleia Legislativa de Pernambuco conclui a votação de um projeto de autoria do Executivo que cria a Comissão Dom Helder Camara, para apurar crimes políticos ocorridos no estado ou com pernambucanos durante o regime. Uma das primeiras do país. Outra comissão ainda será formada, esta proposta por Borges e composta por deputados que deverão acompanhar o trabalho dos dois grupos e ajudar no que for preciso.

O senhor esperava por esse convite?
Eu não esperava. Ninguém nunca falou nada comigo e chegando lá fiquei surpreso. Em um primeiro momento eu não aceitei. Perguntaram se eu queria fazer parte e eu disse que não. Disse porque acho que tem muita gente mais qualificada e mais comprometida. Mas depois o convite foi reafirmado, de forma que reconsiderei.

Foi um convite feito pessoalmente, não é mesmo?
Foi. Conversei com Dilma por mais de uma hora e sobre várias coisas. Ela colocou tudo de maneira muito clara: a decisão foi do Congresso Nacional, que é um órgão que representa os brasileiros. Os limites estão muito definidos, ninguém vai questionar a Lei da Anistia. O Supremo (Tribunal Federal) já decidiu isso. Então, se trata de contar um pedaço da história do Brasil que o país não conhece, de forma que estou muito tranquilo. Ouvi certa vez que, quando um filho morre em um acidente ou de doença, ele morre inteiramente, mas quando um filho é desaparecido, só morre 99,9% e fica 0,1% em um canto escondido do coração da mãe que acredita que o filho vai voltar. Então, nosso trabalho será para enterrar esse resto da memória, para consumar isso. A visão clara é de que você não constrói um país olhando para trás, que só se constrói um país olhando para a frente, que os grandes desafios são as questões sociais. Essa comissão ocupa um pedaço no conjunto das preocupações da nação. Descobrir qual foi o outro lado da história. O lado que ainda não se sabe, apenas se pressente.

Há um grupo, principalmente de militares, que vê a comissão como uma forma de revanchismo. Como o senhor percebe isso?
Eu não vejo motivo porque esse assunto já foi levado ao Supremo (Tribunal Federal) e o Supremo já encerrou a questão. Essa questão (Lei da Anistia) não pode ser reaberta. Eu tenho essa visão clara. Não tem porque se temer isso. Ninguém imagina que alguém da comissão vai ressuscitar tese de que a Lei da Anistia vai ser suspensa.

Qual o maior desafio da Comissão da Verdade?
A dificuldade de identificar a verdade real. Temos que ter muita prudência nisso, ouvir todo mundo. Ser capazes de integrar os estados nesse esforço e buscar a verdade que seja humanamente possível de encontrar. É preciso ter muito critério para separar as fantasias da ações verdadeiras.

Tem como dimensionar quanto de documento se perdeu com o tempo?
Eu não tenho a menor ideia. Tomamos posse às 11h da quarta-feira. Às 16h teremos nossa primeira reunião de trabalho que será na Casa Civil, quando vamos começar a tratar das ações da Comissão. Em algum momento vamos tratar disso.

É preciso pensar em alguma forma de se proteger o que restou de documentos?
A lei é clara. Há quatro níveis de sigilo: confidencial, reservado, secreto e supersecreto. A comissão tem poder de requisitar qualquer um desses documentos. O que não quer dizer que vamos poder divulgar. Agora, é impossível minha posição de otimismo quanto ao que vamos encontrar e como. (Colaborou Jaílson da Paz).

DIARIO DE PERNAMBUCO

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